Acho que já posso afirmar que nunca me considerei católica. Fui batizada, e até os 8 anos não fazia ideia do que "era". Acreditava em Deus, o que já era alguma coisa, mas durante esse período minha religião "vagava" pelo nada e alguma coisa.
Minha mãe sempre foi católica. Meu pai me mostrou o caminho do espiritismo. Achei mais interessante ser filhinha do papai.
Durante essa minha curta-longa vida de 20 anos, fui à igreja algumas vezes... Poucas, para a tristeza de mamãe, mas não por rebeldia - não tenho dom para rebeldia, sou uma frouxa- e sim, por ser um local diferente, que não me dá um "click", sabe?
Ontem fui escalada para trabalhar.
" Trabalhar no feriado, que saco!"
É complicado, mas com o tempo eu fui entendendo que é "normal" e parei de reclamar mentalmente. Pois bem, fui escalada para fazer uma reportagem sobre a procissão de Nossa Senhora Aparecida, que começava às 5 da tarde e iria percorrer algumas ruas do centro.
Saí da redação lembrando das minhas aulas de antropologia.
Etapa 1 - Estranhamento
Uma não-católica com a missão de aprender várias coisas sobre o catolicismo, e mais, processar tudo isso na mente, tentar entender, respeitar, compreender. Estranhamento é a etapa em que a pessoa sai do seu ambiente comum. Porque essas pessoas estão aqui celebrando? Qual a importâcia desta santa? Tudo isso passou pela minha cabeça. Parece bobo, né? Afinal, é a Igreja Católica, tá aí há trocentos anos... Enfim, estranhei-me.
Etapa 2 - Entranhamento
Imergi no desconhecido. Na verdade minha missão era achar duas pessoas que tivessem histórias interessantes, pagamentos de promessas, agradecimentos. Mas a correria e a confusão fez com que eu perdesse minha cinegrafista. Foi como perder uma carteira no meio de um show de rock, fiquei doida, ela é muito baixinha! Perdi o foco nas pessoas e tentei achá-la.
Confesso... Naquele momento me achei uma pessoa desrespeitosa. Enquanto os outros rezavam, cantavam, andavam devagar, fazendo seus agradecimentos baixinhos, eu caminhava meio que correndo, nas pontas dos pés para tentar achar aquela baixinha, com caderninho e celular numa mão, fita e microfone na outra. Desrespeitei. A leseira foi tanta que até trupiquei num carrinho bebê, pode?
Quando consegui achar minha parceira, respirei mais devagar e, finalmente, comecei a enxergar aquelas pessoas, entender porque umas choravam, outras sorriam, vestiam suas crianças de anjinho, estavam descalças, carregavam tijolos.
Eu era a Carrie estranha. As pessoas não entendim a razão da nossa presença.
"Coitada, repórter sofre", "Hahahahaha, olha essa lesa ai! Vai pra casa, menina".
Atravessar aquela multidão com uma câmera beta, microfone e fitas não foi difícil. Complicado mesmo foi fazer aquelas pessoas entenderem que a gente precisava passar, que nós não eramos tão culpadas, que não queriamos estragar aquele momento.
Etapa 3 - Desentranhamento
Nos presenteamos com um baré. Junto com o desentramento veio o cheiro de catinga suor forte, maquiagem borrada, cabelo bagunçado, mas também várias ideias, várias. Queria que as coisas não tivessem sido tão corridas, que minha cinegrafista não tivesse sumido, que eu pudesse ficar mais calma e olhar tudo aquilo de forma mais tranquila...
Melhor foi meu editor ligando no final da noite:
"E aí, tá cansada?"
"Nada, ano que vem me escalem para o Círio."
Isso foi ironia, tá Zé?
ps. Vamos voltar assim? Acanhado, sem pretensões...